FLORES DE PLÁSTICO

    Há dias em que discutir se torna inevitável, correto? Algo como aparelhar as expectativas, encurtar as arestas, podar distâncias com o objetivo de aproximar os pontos de vista. Existem momentos que nós chegamos a fazer, inclusive, uma auto-discussão, depois de um ciclo vicioso de coisas que normalmente não gostaríamos de fazer, um toque de lucidez chega e nos deparamos com nós mesmos pensando porque fizemos algo que seria desaprovado na maior parte do tempo. 

    Indo direto ao ponto, um dias desses consegui perceber um daqueles emaranhados linguísticos/ comportamentais que entramos quando duas pessoas tentam exemplificar seus pontos de vista sobre as coisas e, por conta da história de uma vida inteira, precisam ser irredutíveis em alguns pontos e não ceder ao ponto de vista do outro. Sabe aqueles momentos em que qualquer coisa que uma pessoa disser parece ter sido feita de mal gosto ou vindo de um manual de como irritar? Ou quando a sensibilidade para os comportamentos, olhares e trejeitos fica tão refinada que qualquer aparelhamento parece uma perda de tempo? 

    Gosto de fazer a comparação das relações humanas, percepção e reação comparando e ilustrando a cultura em alusão ao campo das negociações comerciais. Com isso, é evidente que as interações são permeadas por forças opostas: o vendedor busca maximizar o lucro, enquanto o comprador procura minimizar os custos. Esse embate de interesses resulta, inevitavelmente, em uma relação de ganhos e perdas relativas. Raramente um produto é vendido pelo seu valor exato de produção ou até mesmo abaixo. Há sempre o valor agregado — que pode incluir os mais diversos fatores — que influencia o preço final. Dessa forma, tanto vendedor quanto comprador exercem suas habilidades e forças para estabelecer um preço que reflita seus objetivos diante da tal negociação.

    Essa dinâmica, entretanto, transcende o mercado e se manifesta nas relações humanas.     Em uma sociedade onde culturas de culpa, vergonha e medo coexistem, as interações são frequentemente marcadas por negociações implícitas. A preservação das boas relações frequentemente exige que uma das partes ceda em algum aspecto — seja renunciando a um desejo, ajustando expectativas ou aceitando um resultado menos favorável — o resultado final, pelo menos em teoria, seria a manutenção do equilíbrio e a harmonia.

    Toda essa troca de interações, nos remete a um fidedigno reflexo da complexidade e a dualidade das relações humanas, especialmente quando analisamos sob a perspectiva de culturas baseadas em culpa, vergonha e medo. Tais culturas moldam os indivíduos e suas dinâmicas sociais, consequentemente isso impacta diretamente a maneira como interagimos e negociamos em várias esferas, até mesmo no mercado.

    Para quem lê, primeiramente isso pode parecer que, de fato estamos falando que ao final das contas, haverá um perdedor e um ganhador, e um lado poderá ficar seriamente prejudicado, mas podemos afirma que este fenômeno não é um reflexo de fraqueza, mas sim uma demonstração de inteligência emocional e compreensão da dinâmica humana. Em muitos casos, é uma estratégia para preservar relacionamentos e fomentar colaboração futura já que a efetivação de uma negociação se trata também da expectativa de retorno, independente de quais sejam as partes envolvidas. Essa postura contrasta com o paradigma puramente capitalista, onde a negociação pode ser vista como um jogo de soma zero — isto é, o ganho de um é automaticamente a perda do outro. Nas relações interpessoais, o objetivo não é necessariamente maximizar ganhos individuais, mas sim buscar um equilíbrio que beneficie o relacionamento como um todo.


Faço uma analogía a flores de plástico, com isso consigo definir a explicação de que a permanência de uma negociação humana artificial, calcada na habilidade de não extrair nada mais que a superficialidade pode durar para sempre, porém existe a consequência implícita da inexistência de tudo o que é da natureza das coisas. A flor artificial é perene, mas a flor natural, mesmo que morra, exprime as características de sua natureza, fornece perfume, cores, fornece inclusive defeitos, e esse conjunto, não ignorando nenhuma parte, é o mais completo extrato de sua verdadeira essência. Em resumo, entender a natureza das coisas as torna mais interessantes, mesmo que elas sejam perecíveis.

    Se levarmos em conta a cultura "Guilt/ Culpa" ideia de ceder também está profundamente conectada à construção de confiança, a negociação pode envolver um maior apelo ao senso de justiça e à responsabilização. Em culturas de medo, por exemplo, a disposição de abrir mão de certas demandas pode sinalizar intenções pacíficas e fortalecer laços. Por fim, em culturas de vergonha, o foco é muitas vezes colocado na manutenção da reputação e do respeito mútuo, o que também orienta como as concessões são feitas. Percebemos que os ocidentais, na iminência de um problema, seja lá qual for, preferem individualizar as culpas, encontrar culpados específicos ao invés de discorrer a uma abordagem similar à oriental, onde um grupo por inteiro é, pelo menos em parte, responsável por algo que seja moralmente/ eticamente condenável.

    É justamente por isso que as interações bem-sucedidas dependem de um entendimento profundo das dinâmicas culturais e emocionais. O ato de ceder é, muitas vezes, uma ferramenta estreitadora de laços, fazendo que uma negociação não se torne uma arena de conflitos irreparáveis. É claro que diante do obstáculo, o que se vê normalmente é parte da superficialidade, impossibilitando a observar uma série de critérios densos, que aos olhos de uma massiva maioria de pessoas é invisível e convertido a um emoção retórica, reativa.


TOLERÂNCIA PELA COMPAIXÃO

    Extraí o gráfico abaixo de um estudo de Jayson Georges, representado no Global Map of Culture Types, esse gráfico destaca como diferentes regiões do mundo se estruturam em torno dessas culturas. Essa análise geográfica evidencia como a predominância de uma cultura de culpa, vergonha ou medo pode influenciar as interações sociais e negociais. Por exemplo, em regiões onde a cultura de culpa é mais forte, as negociações tendem a enfatizar a responsabilização individual e a busca por um senso de justiça. Em contrapartida, culturas de vergonha valorizam a reputação e o respeito mútuo, enquanto culturas de medo se concentram na hierarquia e na manutenção da ordem.


  • Cultura da Culpa/Inocência

A maioria das culturas de culpa/inocência são  individualistas (ou seja, ocidentais). Medimos tudo com o critério do certo e errado. Fazemos leis que determinam a inocência e a culpa. Conhecer e exercer os direitos individuais é uma preocupação primária. Ensinamos as crianças a serem cumpridoras da lei e esperamos que elas desenvolvam uma consciência. Definimos a inocência como sendo o certo ou como retidão. As pessoas se sentem culpadas pelo que fizeram ou deixaram de fazer. A comunicação é direta; o confronto é aceitável. 

  • Cultura da Honra/Vergonha

Culturas de honra/vergonha são geralmente coletivistas. A questão não é certo ou errado, mas honroso ou desonroso.  Adquirir honra e evitar vergonha são os objetivos mais elevados. Auto expressão e realização são menos importantes do que o sucesso e a honra do grupo. A vergonha vem de não cumprir as expectativas do grupo. Indivíduos se sacrificam pelo bem da equipe, família, vila ou país. A comunicação é indireta, e a linguagem corporal comunica sentimentos. O não dito é tão significativo, se não mais significativo, do que o falado. É dado exemplo um caso onde uma mulher de meia-idade no continente perdeu a eletricidade porque não pagou a conta. Em resposta, ela se despiu e ficou em pé diante da equipe da empresa de energia por duas horas. A polícia veio e a forçou a se vestir. Depois que eles foram embora, ela tirou as roupas novamente. A empresa de energia reconectou a energia dela sem receber o pagamento. A empresa envergonhou a mulher ao desligar sua energia. Então, ela se envergonhou ao ficar nua em frente à equipe, envergonhando-os. Para remover a vergonha, eles deram a ela o que ela queria para que ela se vestisse e fosse embora.

  • Cultura do medo/poder

Culturas de medo/poder também costumam ser coletivistas. As pessoas temem forças invisíveis, como espíritos malignos, maldições e ancestrais. O objetivo é apaziguar ou manipular os espíritos para agirem a seu favor. Podemos citar exemplo de países onde símbolos dos mais diversos são utilizados com o objetivo de poder, proteção ou até mesmo de intimidação são usados em diversos aspectos da vida cotidiana com o objetivo de dar sorte ou até mesmo prejudicar quem seja oponente.

    Direta e indiretamente, esses aspectos culturais impactam significativamente a linguagem e o comportamento das populações. Sob o ponto de vista da linguagem, povos de culturas baseadas na vergonha podem adotar um estilo comunicativo mais indireto, evitando confrontos ou expressões que possam comprometer a reputação. Por outro lado, em culturas de culpa, a comunicação tende a ser mais direta e orientada à objetividade, refletindo a necessidade de transparência e responsabilização. Em culturas de medo, a linguagem frequentemente reflete deferência à hierarquia, utilizando títulos formais e evitando discursos que possam ser interpretados como desafiadores à autoridade.

    Comportamentalmente, os efeitos também são evidentes. Indivíduos de culturas de vergonha podem ser mais inclinados a preservar a harmonia social, mesmo que isso implique em sacrificar objetivos pessoais. Em culturas de culpa, há uma maior disposição para resolver conflitos de forma direta, muitas vezes apelando para regras ou princípios universais. Já em culturas de medo, a tendência é seguir normas estabelecidas e evitar a transgressão, com comportamentos frequentemente guiados por um desejo de segurança e estabilidade.

Cultura de Culpa no Brasil

    Embora menos prevalente, aspectos de cultura de culpa podem ser identificados em contextos relacionados a questões legais, éticas e religiosas. Por exemplo, nas religiões cristãs predominantes no Brasil, há um forte apelo à responsabilidade individual e ao julgamento moral, características típicas de uma cultura de culpa.

    Em negociações, o apelo à justiça e ao equilíbrio, embora menos explícito do que em países fortemente baseados em culpa, ainda pode aparecer como um argumento relevante, especialmente em contextos formais ou judiciais.

    Naturalmente observamos que não há a predominância de somente uma percepção cultural em todos os países, até mesmo porque cada indivíduo com sua criação, herança e tradução cultural reponde ao ambiente de sua forma particular. É justamente por esse motivo que vemos a "Guilt" mais ressaltada no Brasil, mas isso não significa a inexistência de outros tipos.




    Se um determinado ocorrido impactar pessoas de gêneros diferentes, encontramos uma mudança bastante acentuada no tipo de reação de cada um, podemos ver claramente que indivíduos do sexo feminino tendem a responder suas ações como pessoas de cultura da culpa, enquanto indivíduos do sexo masculino tendem a se manifestar de forma mais predominante como cultura da honra/ vergonha. Muito provavelmente isso se deve a diversos fatores, como por exemplo, o desenvolvimento social, a competição - principalmente entre os homens - e até mesmo o fator genético, onde, inquestionavelmente a produção mais elevada do hormônio masculino em homens é também um gerador reativo a situações de estresse elevado ou que exijam uma resposta imediata. Em mulheres o contrário é um atenuador, o que é refletido em perspectiva de reações baseadas nas capacidades e habilidades hormonais e físicas.


    Por isso, é possível analisar os gráficos abaixo e ver a gritante diferença entre os gêneros quando comparados. Observe, por exemplo, países como o México, China, Japão e alguns países no sul do continente africano, há uma transição, uma mudança na reação quando filtramos entre homens (Gráfico 2) e mulheres (Gráfico 1).

Gráfico 1: Mulheres

Gráfico 2: Homens


Fontes

https://books.google.com.br/books?id=gqyiX6bg0TYC&pg=PA161&lpg=PA161&redir_esc=y#v=onepage&q&f=false
https://books.google.com.br/books?id=68j3DZ-a04YC&pg=PA26&redir_esc=y#v=onepage&q&f=false
https://nancylucenay.com/how-to-recognize-different-cultures-guilt-shame-and-fear/
https://public.tableau.com/app/profile/jayson.georges/viz/GlobalMapofCultureTypesFINAL_1/GlobalMapofCultureTypes





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