Linguagem e pandemia em ano de introspecção.
Linguagem, pandemia, movimento e pausa em ano de introspecção.
As pessoas que me conhecem no dia a dia, sabem que quando eu fico com a perna cruzada por muito tempo após estar sentado em minha cadeira de escritório, ao me verem andando torto, arrastando um lado mais que o outro, talvez lamuriando um pouco, sabem que minha perna esquerda dói. E não para dramatizar, dói mesmo, dói muito, a ponto de eu não conseguir dormir por uma noite inteira, não como se fosse uma insônia comum, assim como da maioria das pessoas que têm insônia, que, só não me acorda no meio da madrugada, como me causa sudorese e dormência nos braços, além de pensamentos filosóficos profundos no permear da madrugada. A verdade é que seria trágico se não fosse cômico.
Após uma semana de perna esquerda doendo, cruzando noites em claro, onde, pela impossibilidade de dormir praticamente me vejo atravessando a madrugada em uma posição de semi-leito, como se eu estivesse em um ônibus ou um trem indo para um lugar onde eu nem sei exatamente qual, com um paralelo que remete diametralmente a um divã, me encontro em uma situação ímpar, estranha, talvez desagradável, mas, sem sombra de dúvidas única.
Hoje é 25 de dezembro, um dia importante para muitas culturas, um dia normal para muitas outras, para mim um dia de introspecção. Sigo uma vida sob a ótica judaica. Não sei se sabem, mas o natal para o judaísmo quase coincide com o Hanukkah. Estranho que eu particularmente nunca tive muito contato com aquilo que é consistido de números dentro de um calendário, acho que de alguma forma, algo em mim duvida que o ano tenha mesmo 365 ou 366 (quando é bissexto) dias, e conto que, nem quando chega a data que seria meu aniversário olho com tanto afinco como o faço num dia que chamaríamos de Natal ou Hanukkah.
Convictamente não é especificamente pela data, ou pelo número consistido nela, mas, veja se concorda comigo. Não é diferente? As pessoas cuidam das outras, mesmo que seja em pensamento, as pessoas se juntam, e olham para quem precisa de ajuda, as pessoas viajam, realizam seus sonhos, compram presentes, abraçam, respeitam. E depois passa. Pode passar, mas nessa época existe um consenso quase mundial. Olhando mais pelo sentimento envolvido em tudo isso que permeia essa dada e todas as coisas que se conectam a ela. O Natal envolve a gratidão, não há dúvidas.
Me lembrei de um momento em que eu conversava com um grande amigo, hoje até um pouco sumido por conta das "ocasionalidades" e devaneios de uma vida "normal", falávamos sobre o que é viver bem. Eu havia feito uma pergunta simples a ele e nos vimos presos em um tsunami de informações sobre a vida que mal estava adequado ao momento descontraído que o dia se encontrava.
Mas deixo aqui a mesma indagação com o adendo de uma pequena reflexão ao objeto da pergunta: - Se você pudesse fazer o que quisesse de sua vida, o que faria? O que faria agora, nesse instante. Onde estaria? Como estaria? Você estaria trabalhando com o que trabalha atualmente? Estaria sofrendo as pequenas nuances que sofre?
E parece simples essa pergunta, mas, o que fazemos de nossa vida agora, nesse instante? Onde estamos? Como estamos? A pergunta não nos remete ao objetivo de se abater, deprimir ou chatear quem quer que seja, nem tem como objetivo fazer que seja feito o chute dos baldes da vida e sejam feitas loucuras descompassadas em busca de prazeres imediatos sobre coisas que estaríamos planejando para um futuro vindouro, mas fala de sua essência, fala de valores. A pergunta permeia com uma leveza sobre o bom e velho Natal, porque de alguma forma o nascimento de Jesus (Yeshua), simboliza, em meu ponto de vista, o nascimento de cada um de nós como ser humano também. Olhando por essa perspectiva, a pergunta poderia ser mais profunda como um; -Nesse Natal, nós mais nascemos ou morremos? Fomos quem realmente somos, ou só foram dias que passaram e estivemos mais próximos do além do que de uma vida verdadeiramente honesta com nossa mais profunda essência? Talvez o natal seja o nosso nascimento também, talvez seja o momento de parar um pouco, sair de perto daqueles que falam insistentemente coisas que você não precisa ou não gostaria de ouvir, talvez seja o momento de ouvir aquela voz que está dentro de nós e que, ano após ano, insistimos em deixá-la cada vez mais muda, como se pensar fora uma caixa fosse errado, mas vindo de algo que em nós, grita internamente como um amordaçando com medo de um futuro arrependido e lamurioso.
Acredito que quando comentei no início desse texto sobre minha relutante e quinquenal, às vezes decenal dor na perna esquerda, me coloco olhando para o quando nosso corpo nos brame sobre o quando a alma precisa de movimento. Olhando a minha agradável, confortável cadeira de escritório, essa que eu passo a maior parte do meu dia trabalhando, que me apoia com conforto para que eu possa trabalhar e tirar os meus proventos, essa que estou agora, nesse momento, sentado e escrevendo esse texto. Daqui me sento confortavelmente, mas daqui também saem as dores que vez ou outra preciso lidar.
E se isso de alguma forma tiver a ver com a vida? No sentido que, se algumas dores sempre existirão, porque aquilo que é construído precisa de algum sacrifício válido para alcançar algum o mérito que for. E estou longe de me referir sobre o dinheiro, mas sobre nossas virtudes, nossa moral e ética, nossa construção como ser humano deixando alguma coisa que seja útil aos que virão depois de nós. Talvez se nosso trajeto fosse leve demais, não existiria muito sentido dar valor a algumas coisas por essas bandas.
Em meu ponto de vista, um ano que nos coloca em constante introspecção também não pode ser tão doloroso para aqueles que desejam se libertar de suas dores, de qual outra forma olharíamos atentamente para aquilo que é tão importante em nossas vidas? No movimento quase catalítico de nossas rotinas cotidianas? Suponho muito que não!
A palavra alma tem origens desde as primeiras línguas existentes, no latim se designava anima, que significa simplesmente, aquele que se move, aquele que tem o sopro da vida. Em um 2021 reflexivo e introspectivo, é desejado, nessa óptica, que nossas animas cumpram seu papel mais básico em nossa existência. Que possamos ser cada vez mais nós mesmos, e que nossa alma receba cada vez mais movimento, alimentando o sentido para o qual ela foi criada.
Foto de uma viagem conversando com um artista na rua. |
Viña del Mar - Chile - 2017 |
¿DE QUE ME SIRVE LA VIDA?
De diversas formas, o Chile se diferencia do Brasil. Podemos observar isso, primeiramente, pelo aspecto econômico: o Chile é uma referência em estabilidade — não apenas econômica, mas também política.
Percebemos que, normalmente, as eleições, mesmo que em certos momentos turbulentas, caminham em direção ao que precisa ser feito em prol do país, respeitando uma lógica de avanço e responsabilidade pública.
Há um movimento que, embora envolva disputas e polarizações, tende a seguir um rumo mais pragmático — como se a política chilena girasse no sentido horário, no compasso do que deve ser feito, com foco no resultado coletivo.
Sempre é normal sair do nosso país e, ao chegar em outro, perceber as diferenças e, de alguma forma, enxergá-las com certa distância — às vezes até abismal — principalmente quando as referências são os costumes.
Mas eu sempre vi o Chile como um país muito próximo ao Brasil. E são justamente essas proximidades que nos fazem querer voltar sempre.
O Chile é um país de pessoas boas. O Chile é um país de pessoas acolhedoras. Ainda que esse acolhimento seja pautado pelo tempo, ele não acontece de imediato — não é como no Brasil, onde um simples “bom dia” pode ser acompanhado de um abraço em um desconhecido.
A alimentação também me chama muito a atenção no Chile. Enquanto no Brasil temos uma diversidade gastronômica impressionante, moldada por sua extensão continental — como se cada um dos 27 estados fosse um país à parte —, no Chile há um padrão mais uniforme em todo o território. É claro que existem variações entre o norte e o sul, e há também influências de países vizinhos, como o Peru, com sua gastronomia rica, e a Argentina, mais ao sul. Ainda assim, o padrão alimentar chileno é mais rígido, mais coeso.
Por isso, para quem vem do Brasil, se alimentar no Chile pode ser um desafio maior — não pela falta de qualidade, mas pela menor diversidade de sabores e opções em comparação ao que temos aqui.
Não me julguem mal. Essa é uma percepção comparativa, e, quando colocamos os dois países lado a lado, as diferenças realmente se tornam gritantes. O Brasil é imenso — e só isso já faz dele um mundo dentro de si.
Só para se ter uma ideia: todo o Chile tem uma população semelhante à da cidade de São Paulo. E, a partir daí, já é possível imaginar o tamanho da diferença em proporção, hábitos, dinâmicas sociais e culturais. Quando vemos coisas tão próximas e, ao mesmo tempo, olhamos para o outro lado e enxergamos distâncias tão paradoxais, isso nos faz querer viajar mais.
Ninguém viaja para um país que não agregue nada de novo.
E isso é o mais impressionante: viajar é justamente o ato de olhar para o diferente, absorvê-lo, tentar compreendê-lo e, às vezes, até admirá-lo — ou talvez não —, mas, ainda assim, olhar com um certo encantamento para aquilo que, de alguma forma, desperta em nós a vontade de mergulhar em algo marcante.
Algo que faz parte de culturas que podem ser próximas ou extremamente diferentes, mas que, inevitavelmente, nos transformam. Nos revela a necessidade de sair da nossa zona de conforto e conhecer coisas novas, pessoas novas, lugares novos; comer uma comida diferente; experimentar algo que, talvez, em algum momento da vida, tenhamos dito a nós mesmos que nunca comeríamos — num cantinho da casa, com as janelas fechadas, enquanto um carro de som passava na rua informando a necessidade de usar uma máscara — que, em espanhol, se chama tapabocas.
Vejo o quanto a pandemia nos distanciou da verdadeira humanidade e também do nosso anseio de sair de casa e reencontrar o caminho que nos trouxe até onde estamos.
É como quando os hominídeos — os mesmos que pintavam em cavernas — indicavam caminhos, retratavam animais e mostravam às crianças, ou aos que estavam iniciando a vida adulta, como era a caça, como era a história, e a transmitiam.
Hoje, nos deparamos com ambientes como este, as redes sociais, onde nossa visão de vida também se torna um pouco limitada. Passar informação para outras pessoas virou algo tão veloz que já não há mais espaço para o tempo de ouvir e experimentar as situações.
Como um personagem que se torna espectador de um show — nos lembra de como tudo foi monetizado em pouco tempo. As informações tornaram-se rápidas, o carinho, quase inexistente, e os olhares se transformaram em luzes de câmeras acesas diante das telas dos computadores, mostrando caminhos de informações muito precisas, mas que não nos exigem praticamente nenhuma emoção para lidar com o outro — ou simplesmente ouvi-lo.
Talvez, nesse período da pandemia, cada um tenha se tornado especialista de si mesmo — e tenha deixado, pouco a pouco, de ser especialista em transmitir emoções ao outro.
Esse tempo há de passar, assim como todos os tempos passam. E acredito firmemente que, quando passar, o nosso grande desafio será olhar para nós mesmos e entender que ele não parou — simplesmente passou.
E nós vamos precisar, novamente, ressuscitar a coragem de sair de nossas casas e fazer aquilo que estávamos fazendo antes.
Não podemos nos esquecer de tudo o que nos construiu como sociedade. Caso contrário, toda a modernidade que hoje nos desenvolve talvez venha a ser a nossa própria destruidora.
E seria não só triste — como profundamente bizarro — que tudo o que fizemos para alcançar o patamar de desenvolvimento e prosperidade em que vivemos se tornasse, justamente, a nossa inquisidora.
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